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Duas mulheres e um tucano: os desdobramentos da possível posse de Dilma Rousseff ou de Marina Silva



Eleições presidenciais. O cidadão que está diante da tela da urna eletrônica deve escolher: Dilma Rousseff, José Serra ou Marina Silva. Difícil. Para facilitar, ele reduz os candidatos a dois: homem ou mulher, quem será o meu presidente? É... Parece uma crônica de ficção, mas é a pura realidade. No dia 03 de outubro, milhões de brasileiros votarão em presidente, governador, senador e deputado federal. E o representante da República federativa do Brasil poderá ser um homem ou uma mulher, uma conotação mítica permite dizer: a primeira mulher. E as candidatas não são Evas, Pandoras ou Liliths, mas Marina Silva, ex-senadora eleita pelo PT, candidata pelo PV, e Dilma Roussef, ex-ministra da Casa Civil, candidata pelo PT.

As candidatas têm a preferência das mulheres, o que desfavorece o candidato tucano, embora as pesquisas de Ibope apontem um empate entre Serra e Dilma. “Sem dúvida, na medida em que a população feminina, quantitativa e qualitativamente, iguala-se a masculina a sua presença na disputa eleitoral constitui-se em fato significativo”, diz a professora e pesquisadora da UFF, Rachel Soihet.

E é significativo mesmo, pois o apoio delas a Dilma é tão forte que foi criado o site “Mulheres com Dilma” onde todas as eleitoras que a apoiam podem postar comentários e ter um passo a passo da campanha da ex-ministra. A candidata Marina Silva não fica atrás, no período da pré-campanha, seu coordenador, Alfredo Sirkis, já assegurava: “As mulheres pobres brasileiras se identificam com a Marina pelo que ela é. Antes mesmo que ela apresente suas propostas, essas mulheres demonstram que gostam dela”.

Mas para que a mulher brasileira chegasse a ser candidata a presidente foi necessário uma série de embates, em diversos países, entre homens e mulheres. O feminismo protagonizou a emancipação feminina, possibilitando o direito ao voto, a igualdade salarial, o acesso a todas as modalidades de educação, o direito de controlar o próprio corpo se negando ao ato sexual forçado e considerando a maternidade uma opção e não uma obrigação, a divisão das tarefas domésticas compartilhando com o marido a responsabilidade de cuidar dos filhos junto às esposas.

No Brasil, a lei Maria da Penha protegeu a mulher das agressões domésticas, e este direito foi defendido por movimentos feministas no mundo inteiro criando leis específicas para cada país. “O espaço conquistado pelas mulheres resultou das pressões que exerceram em diferentes momentos de nossa história, dando lugar a uma mudança na mentalidade nos diferentes níveis, devendo se acentuar que ainda há muito a se conquistar”, ressalta Rachel Soihet.

Essa mudança de mentalidade possibilitou que, em 1928, a professora Alzira Teixeira Soriano, fosse a primeira prefeita do Brasil e da América do Sul; em 1933, a médica e pedagoga paulista Carlota Pereira de Queiróz, a primeira deputada federal brasileira; em 1934, a jornalista e professora catarinense Antonietta de Barros, a primeira mulher negra – ela foi eleita a um cargo político no país, ela foi deputada estadual; e em 1947, a atriz e defensora da causa dos leprosos, Conceição da Costa Neves, eleita deputada estadual cinco vezes até ter seus votos cassados durante a ditadura militar, fosse a primeira mulher presidente de uma Assembléia Legislativa.

Coincidentemente, com exceção apenas da Conceição da Costa Neves, todas estas mulheres, antes de ingressar na carreira política, eram educadoras, como a nossa atual candidata a presidente Mariana Silva. Nossa outra candidata, Dilma Rousseff quase se tornou professora universitária, chegou a cumprir os créditos do mestrado, mas não defendeu sua dissertação. Se uma delas ganhar a presidência estará seguindo os passos das outras desbravadoras de cargos políticos como primeira mulher e ainda professora.

De modo geral, os brasileiros sempre tiverem um apelo solidário às mulheres, o Brasil foi o primeiro país do mundo a garantir o voto feminino, direito conquistado em 01 de janeiro de 1891. A data também sugere uma conotação mitológica, o dia da rainha do mar, Iemanjá, dando o direito as mulheres brasileiras se sentirem rainhas. As primeiras eleitoras foram as professoras norte-rio-grandense Julia Barbosa, de Natal, e Celina Vianna, de Mossoró.

É, mas elas conquistaram um espaço muito pequeno. Segundo uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM), dos 5.559 municípios brasileiros, apenas 6% são chefiados por mulheres. Os indicadores da pesquisa revelaram que nas eleições de 2006 as mulheres representavam 11,1% do total de governadores, 9,07% de prefeitos, 12,5% de vereadores, 14,8% de senadores, 8,7 % de deputados federais e 11,6 % de deputados estaduais. Uma pesquisa feita por Patrícia Rangel, cientista política do CFEMEA, alertou em sua pesquisa que o problema não é parte somente da realidade brasileira, pois a ONU constatou em 2008 através dos Dados da União Parlamentar (IPU, em inglês) que apenas 18,2% dos legisladores atuantes em todo o mundo são mulheres.

Ainda que o espaço dedicado a mulher na política seja mínimo, Rachel Soihet acredita que em todos os âmbitos profissionais a mulher conquistará um grau de paridade com os homens. “Quanto à relação profissional, mesmo que inicialmente, esta presença tenha provocado estranhamentos por parte dos homens, o elevado nível demonstrado por elas tem contribuído para que sejam merecedoras do respeito de seus pares, tendendo tais relações a se equalizar”, afirma Rachel.

Em outras áreas o trabalho feminino cresce, mas ainda assim é inferior aos homens. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), feita pelo IBGE, mostrou que o rendimento médio mensal de pessoas de dez anos ou mais é de R$ 737. Veja o gráfico abaixo que representa o desnível salarial da mulher em 2007.

A pesquisa feita pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), mostrou que as mulheres brancas ganham 50% do salário dos homens brancos e as mulheres brancas, ganham 75%. Ou seja, além delas ganharem menos, há diferenciação salarial dada pela cor. “Não podemos esquecer que o contingente negro da população brasileira constitui parcela significativa da população pobre, logo medidas devem ser levadas a efeito para garantir a essas camadas condições de vida digna. Seguidas essas etapas, mescladas a políticas públicas de incentivo a sua absorção no mercado de trabalho, aliadas a distribuição da renda, esse ideal [de igualdade salarial] pode ser alcançado”, diz Rachel.

Apesar de o sufrágio feminino ter sido uma conquista realizada pelos homens, pois foram eles que criaram o projeto de lei em favor das mulheres, o machismo ainda prevalece. Em sua pesquisa, Patrícia Rangel mostra que os parlamentares preferem ter as mulheres em casa cuidando da família do que nos partidos tratando de assuntos políticos. Segundo a pesquisa, 60% dos parlamentares discordam da punição dada aos partidos que não mantiverem 30% de candidaturas femininas e 72% discordam em adotar lista fechada com alternância de sexo.

Eles querem elas em casa e não as ajudam nas tarefas domésticas. Embora o feminismo tenha contribuído para a igualdade social entre os sexos, os homens ainda resistem. No Brasil, segundo a pesquisa feita pelo sociólogo e cientista político Gustavo Venturi, apenas 20% dos homens contribui nas atividades do lar. E, segundo os pesquisadores americanos, os homens que não lavam a louça, não fazem comida e não varrem a casa tendem a separar mais que os alternam entre o chefe da família e o ajudante da casa.

A mulher no imaginário masculino é “fada do lar” ou o “objeto sexual”. Enquanto objeto sexual, elas se esforçam para manter a forma e continuar sendo desejadas pelos homens. De acordo com os dados do Ministério da Saúde e da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), são realizadas cerca de 700 mil plásticas por ano no país, sendo 40% destinadas a correções de traumas adquiridos por acidentes, queimaduras ou outros fatores externos.

A mulher contemporânea se divide entre a esposa do lar e a musa das ruas. E, como dizem por aí, “Freud explica”. Para o psicanalista alemão, o homem tem o falo (pênis) e a mulher que ser o falo (representação do pênis). Só que, para ser o falos, ela deve se tornar a mulher ideal, que atraia dos homens mas, segundo a psicanálise freudiana atual, o capitalismo mistura as duas posições, a mulher ao mesmo tempo quer ocupar a posição de objeto sexual e a posição fálica, de mulher que se iguala aos homens.

Dilma Rousseff pode ficar despreocupada. Se bem que a ex-ministra da Casa Civil está sempre maquiada nas aparições públicas, mas é divorciada, não precisa se preocupar com as tarefas domésticas porque não tem marido e sua filha já é bem crescida. Esta parte pode ficar tranquilamente sob os cuidados das empregadas domésticas. Estas humildes mulheres que, segundo o IBGE, somam 17,2 % das mulheres trabalhadores do país. Segundo o site “Domestica Legal”, 3,2 milhões trabalham sem assinar a carteira e, segundo a Caixa Econômica Federal, do 1,774 milhão de domésticas que tem a carteira assinada pelo patrão, somente 4 % têm acesso ao FGTS, pois a lei das domésticas torna facultativo o pagamento do fundo de garantia ao que o empregador entende como desnecessário.

Já Marina Silva, vai teria que se dividir entre a mãe, a esposa e a possível presidente, e, se for eleita, precisará inventar uma terminologia para seu marido, o técnico agrícola Fábio Vaz de Lima, fica a sugestão: primeiro-cavalheiro. Fábio seria, literalmente, o primeiro-cavalheiro da política brasileira. Ele pode não lavar a louça, mas vai ficar no ligar da primeira-dama. Já é uma troca de papéis considerável. Podemos concluir que, segundo os americanos, Fábio será o um bom marido e, segundo Freud, Marina será a mulher fálica, que se coloca na posição masculina; ela se tornará a provedora do lar.

As duas candidatas à presidente acabam confundindo os eleitores que não estão acostumados a esta nova realidade. Se uma delas for eleita, o Brasil ingressará na lista dos poucos países, atualmente, a ter uma mulher na presidência, como Pratibha Pati, na Índia; Michelle Bachelet, no Chile; Tarja Halonen, na Finlândia; Gloria Arroyo, nas Filipinas; e Mary McAleese, na Irlanda. Será que eles pensaram nestes desdobramentos da possível conquista feminina ao cargo de presidente?

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