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Todas as religiões são seitas?

Parte 1 - Os profetas


A mídia faz constantes denúncias de "seitas" que comentem crimes contra seus adeptos. O problema não está em denunciar. Se cometem crime, devemos noticiar para que o caso chegue à justiça. A questão é que a pauta da reportagem investigativa é desmascarar a "seita" especulando que seja demoníaca. A descoberta de um crime é incidental nesses casos, se é que posso falar assim. Isso me lembra muito aquele ditado: "a ocasião faz o ladrão". Deveria me lembrar aquele outro: "quem procura acha", mas como eles procuram uma coisa e acham outra completamente diferente, dizer isso seria um tanto ambíguo demais. Eu diria que a ocasião faz o ladrão porque o palco é montado para um espetáculo que é surpresa para os próprios organizadores.

Vamos tratar do assunto com um pouco mais de seriedade:
 Toda religião monoteísta pode ter sido interpretada como “seita” por seus contemporâneos. A palavra seita ainda não era usada no momento de ascensão das religiões monoteístas, mas a idéia de uma movimento perturbador contrário ao pensamento religioso dominante já se fazia presente. Um termo mais difundido na época era heresia. Originalmente, qualquer pensamento religioso que fosse contrário a fé cristã era entendido como heresia. Isso, séculos antes da inquisição! Esta palavra está presente na bíblia. Com o tempo foi ganhando um significado mais pejorativo, sobretudo, no período conhecido como Caça às Bruxas.
Etimologicamente, a palavra seita vem latim seguir. Foi usada, pela primeira vez, para referir-se aos seguidores do estoicismo. Ora, olhando para o nosso tempo, não seria todas as religiões dotadas de seguidores? Por que consideramos todas essas correntes “religiões” e não seitas? Aí, entra o jogo político. Até mesmo num país laico como o Brasil, a predominância política de determinada religião se faz presente. Dias desses, um professor dizia algo sobre a origem da palavra leigo ser a mesma da palavra laico. Laico é uma palavra em latim que tem a palavra leigo como seu correspondente em grego.
Curiosamente, “leigo” era um termo usado pelos monges católicos para denominar a população que não tinha conhecimento do latim. O seu sentido original era “aquele que não pertence ao clero” e depois passou a ser entendido como todo aquele que não domina determinado assunto. Adotamos um termo religioso para uma suposta liberdade religiosa. Estranhamente, esse termo vem da mesma religião do nosso calendário gregoriano. O calendário já é outro assunto, mas tudo isso mostra o quanto que a laicização é mera hipocrisia que fundamenta a nossa cultura do “preconceito disfarçado” e da pseudo-democracia.
 Se existiu uma figura profética essencial para o surgimento de uma doutrina, ou religião, no passado porque não podem surgir novas figuras nos dias atuais? O caráter sagrado dessas figuras é dado pelo tempo. Ao longo dos anos eles vão sendo cada vez mais mitificados. Anne Cauquelin em Teorias da Arte fala sobre o sopro em cima das obras de arte que fazem com que sejam supervalorizadas com o tempo. Levando uma pintura desprezível para seus contemporâneos tornar uma verdadeira obra prima para as gerações futuras.
Aonde quero chegar com isso? Quero mostrar que os profetas de diversas religiões podem não ter tido a mesma aceitação que tem hoje. Com o passar do tempo o Jesus de Belém que proclamou na palestina ganhou o mundo, muitos séculos depois de sua morte. Maomé de Meca que teve a revelação na Medina ultrapassou os limites do mundo árabe. Eles não poderiam ser vistos por seus contemporâneos como lunáticos?
Historicamente, sabemos que todos os “profetas” sofreram rejeição por grande parte da população. Mas, o que nos leva a reconhecê-los como figuras proféticas “sacralizadas”? Por que Moisés é tão importante para os judeus, Buda para os budistas, Maomé para os muçulmanos, Jesus para os cristãos, Allan Kardec para os espíritas? Por que eles são "profetas" e hoje só temos "lunáticos"? Hoje, temos diversos meios de comunicação que registram em múltiplas facetas as ações desses "novos homens de Deus". No tempo de Jesus, Moisés, Abraão, Buda, Maomé, Allan Kardec e outros, não havia como registrar. Tudo que sobrou foram os relatos de seus contemporâneos ou os escritos desses homens. Pouco se tem do que eu chamaria de "opinião alheia". Como saber qual foi o grau de aceitação?    
 No caso do espiritismo, a figura de Allan Kardec não é considerada profética, nem mesmo a de Chico Xavier, mas há uma forte ligação com suas figuras transcendentais. Talvez, a razão para que o espiritismo ainda não tenha sido combatido seja o apoio que recebe do movimento carismático. Novamente, a questão da religião dominante demarcando "territórios intocáveis".  A questão é saber porque não foram considerados loucos? A discriminação entre todas essas religiões monoteístas (budismo, cristianismo, judaísmo, islamismo e espiritismo) é diferenciada. Elas não são relegadas ao ostracismo, são tidas como um erro de interpretação, uma fé equivocada. Cada um aponta a religião do outro como um equívoco, porém, quando se trata de discriminar as chamadas seitas, parece surgir um inimigo comum.
Quero lembrar que estou tratando do Brasil. Em outros países os conflitos religiosos são de outra ordem: os ataques são diretos. A intolerância religiosa leva a uma postura radical de consequências trágicas para toda a população. Não quero aqui dizer que todas as religiões são problemáticas e por isso devem ser postas de lado. O que pretendo aqui é mostrar como tudo não passa de uma questão de fé. Santificar ou endemonizar a fé do outro é ignorar o fato de que todas as religiões são produtos da mente humana.

Obs.: Eu ainda vou postar a parte dois "os textos sagrados" e a parte três "os dogmas".

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