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Algumas reflexões acerca do amor

Aproveitando um pouco o choque que alguns têm com a crítica contemporânea feita pela série Black Mirror que julguei ser esse o melhor momento para escrever sobre o sentimento que move o ser humano: o amor. Quero começar com a dualidade amor/falso amor para aos poucos tratar da sua amplitude em outros textos. Vejam bem: não vou abordar o campo virtual, vou escrever aqui sobre o mundo real. Deixarei essa análise mais profunda associada a série britânica para outra postagem. 

O meu incômodo tem seu "start" em 03 de outubro de 2013. Nesse dia, após ficar duas horas dentro de um ônibus, percebi que a jovem sentada no banco da frente, que não tirava os olhos do celular, era namorada do rapaz que se encontrava ao seu lado. Ele passou a viagem inteira pensativo e com o olhar distante e ela entretida no facebook. Ela ria dos verdadeiros "testamentos" que lia em sua "timeline". Se não fosse o beijo que deram quando ela desceu do ônibus, eu poderia jurar que sequer se conheciam. Aquilo me deixou perplexa. Ainda que estivessem brigados, o que não me parecia ser o caso, como conseguiram passar duas horas juntos sem falar e olhar um para o outro? Desde então, passei a identificar e quantificar pessoas ao meu redor que tinham relações com esse grau de distanciamento. Tive o desprazer de descobrir que eram muitas.

Ao observar primas, primos, amigos e amigas, eu percebi que o distanciamento começava na escolha pela suposta "falta de opção". Sim, pessoas namoram, casam e têm filhos com pessoas que não amam, mas que são convenientemente melhores para se ter uma vida a dois. Isso não é dito abertamente, mas... Sabe aquele amigo que diz "eu não a amo, nunca amei" e na semana seguinte reata com a namorada? Então, ele não mentiu para você, só acha que ela é o melhor que há. Digamos que ele prefira ficar "mal acompanhado do que só". Tem medo da solidão. Mais da metade da população não suporta viver sozinha. Não que devam ficar só, mas o amor não traz a felicidade, apenas completa. Se não conseguimos ser felizes sozinhos, dificilmente seremos acompanhados. Solidão a dois. É nisso que resulta. Como o casal do ônibus com o qual esbarrei outras vezes e sempre percebendo o distanciamento. Uma das vezes que passei por eles, um amigo do rapaz o cumprimentou, ele sorriu, contou piadas e eu pude perceber que ele tinha um sorriso lindo que o tornava incrivelmente belo. Pensei: isso deve ter sido o que atraiu a jovem na hora da "conquista".

Por que as pessoas não fazem o que realmente desejam? Eu me perguntei isso muitas vezes. Até me dar conta de que uma velha situação vivida por mim era uma boa resposta. Nos meus 20 anos, um amigo muito querido se declarou para mim. Disse que sempre foi apaixonado por mim, mas que nunca teve coragem de dizer porque acreditava que eu não me interessaria por ele. O que ele não sabia é que quando nos conhecemos, quatro anos antes, eu me vi perdidamente apaixonada por ele, mas soube na mesma semana que ele tinha arrumado uma namorada com quem foi morar meses depois. Custei, mas o esqueci. Ainda tive o azar dele me confidenciar que um dia ele acordou e descobriu que gostava dela. Então, tudo que eu podia fazer ali naquele momento, quatro anos mais tarde, era dizer que ele não poderia ter feito isso com ele e nem com a sua companheira. Era um "falso amor". E as consequências dessa relação para ela foram desastrosas. A jovem que passou a viver a vida dele na obsessão de ser "a namorada perfeita", deixando seus gostos e modos de vestir para ser a "jovem-metaleira-dos-sonhos-do-cabeludinho". Ela não fez isso apenas por obsessão. A falta de paridade numa relação leva a parte mais interessada a sentir-se culpada pelo desafeto do outro. Daí, a necessidade de agradar com auto-cobranças e cuidados excessivos com o corpo ou com intelectualidade. Mente ou corpo em jogo... vai depender do que a pessoa entende como objeto de atração para o parceiro que almeja. As consequências para ele, eu realmente não saberei nunca dizer. Continuamos amigos por pouco tempo depois disso. Não concebi uma pessoa me amar, mas preferir ficar com outra e levar tanto tempo para me dizer o que sentia. Tenho certeza de que deve ter sentido um vazio insuportável em diversos momentos. Não pude dar a ele um final feliz. O tempo passou. Deveria ter percebido que é a irracionalidade do amor é que conta. Não deveria ter se preocupado com o que eu iria pensar, deveria ter dito o quanto antes. Depois já era tarde. Eu já não estava mais interessada nele. Hoje mesmo escrevi para minha ex-terapeuta:
Fico pensando se sou louca por não me sujeitar a ficar com alguém para não ficar sozinha. Eu me sinto bem assim, mas olho para o lado e vejo tantas pessoas com relações inconstantes, sem amor e julgando isso muito normal. É tanta gente que eu penso que a louca sou eu. 
Ela, simplesmente, respondeu: Salve a loucura!
Outra situação muito diferente, é reviver um antigo namoro, como ocorreu comigo, meses depois do episódio do meu amigo. Reencontrei um namorado que quando nos conhecemos, eu tinha 12 anos e ele tinha 19 anos. Na época, eu ainda me sentindo uma criança, mas querendo muito namorar com ele, pedi para "sair" com ele. Ele olhou para mim e disse: "tem certeza?". Na hora, eu fiquei muito brava. Senti aquilo como uma ofensa. Só hoje eu percebo que ele estava perplexo com uma garota tão nova querendo namorar com um adulto. Bem, namoramos alguns meses, mas, eu ainda me sentindo muito criança para aquilo, resolvi sumir sem dar a menor satisfação. Como ele morava em outra cidade e eu só passei umas férias e fins de semana lá, foi fácil não deixar rastros. Só voltei a ficar com alguém dois anos depois. Num período de sete anos ninguém que eu havia conhecido me fazia me sentir mais viva do que ele me fez naqueles meses.  Um belo dia resolvi procurá-lo no antigo Orkut. Achei e depois de alguns minutos de conversa decidimos nos reencontrar. Foi incrível porque pareceu que não tinha se passado um segundo, quem dirá sete anos.

Recentemente, li em um blog que amor de conto de fadas não existe. No texto, a jovem relatava que não sentia nada pelo namorado e que depois de muitos anos percebeu que ele era o homem da sua vida. Disse que nunca sentiu aquela paixão ardente, nunca vivenciou um amor a primeira vista e que não viveu um contos de fadas. Li aquilo e achei horrível. Primeiro de tudo: quem conta um conto de fadas? Pessoas. De onde elas tiram essas histórias? Qual o contexto histórico dessas narrativas coletivas? Pensemos... Contos de fadas narram paixões reprimidas, não vividas por conta de algum tabu social; são formas de atrair a atenção do povo para o miticismo através das emoções; são versões místicas da biografia de personagens históricos; são ciências alternativas para explicar o mundo (falarei sobre isso em outras postagens, já que mitos e contos de fadas são meus objetos de pesquisa há mais de dez anos!). Os contos em suas versões originais contém questões atemporais acerca das emoções. Se só a princesa das narrativas fictícias buscassem pelo amor verdadeiro, esses contos não atravessariam séculos. As crianças ficam fascinadas com contos porque elas ainda não sofreram a "castração" da incredulidade no amor. Que sejamos todos crianças!

Esse namorado que falei anteriormente não era a minha alma gêmea, mas foi sem dúvida uma paixão avassaladora. Até então, eu não havia conhecido o amor verdadeiro. Fui conhecer um ano depois de reviver essa paixão adolescente. Foi um namorado da faculdade cuja metade da universidade que não me conhecia, sem dúvidas o conhecia. Éramos considerados o "casal vinte" da faculdade. Estávamos juntos de domingo a domingo. Estudávamos juntos, tínhamos projetos escritos e feitos juntos, amigos adquiridos juntos... De vez em quando, eu o lembrava da individualidade do casal e o incentivava a ir na pelada de domingo ou acompanhar o jogo do Botafogo com a torcida organizada. Na primeira semana de namoro, ele disse que ia casar comigo. E eu pensei nisso durante os dois anos e meio em que fomos amantes. Só que um dia eu julguei que o amava muito, mas de outra maneira: como uma protetora, cuidadora, "mãe" e amiga. Percebi que precisava de um amor de homem e mulher. Nos amávamos e até hoje sou apaixonada por ele - ao ponto de mandar um mensagem no whatsapp às 03h falando das minhas investidas amorosas (eu me aventuro por aí, rs) - só que é um amor quase fraternal. Essa experiência foi ótima para eu perceber que existem mil formas de amar. E essas formas se solidificam com o tempo. Vão ficando mais claras e inteligíveis.

Tanto para mim quanto para ele, não existiu amor mais lindo quanto o do nosso eterno amigo Cosme Armando. Cosme era uma pessoa especial. Dizia que não iria namorar qualquer menina que esperava pela garota certa. Lindo era o Cosme. De inteligência ímpar. Ele tava sempre na contramão: judeu pobre, historiador e professor de história desempregado, lindo e sem namorada. Não seguia nenhum dos esteriótipos. Certo dia, aceitando o convite para participar de uma conferência junto a outros historiadores, foi para a Argentina.   Foi para a Argentina deixando para trás o trabalho de ajudante de pedreiro que exercia junto com o pai. Lá, conheceu uma jovem por quem se apaixonou. E por lá ficou. Um ano depois, casou-se e a jovem amada engravidou. Cosme teve um filho que jamais virá a conhecer porque foi atropelado por um trem.

Assim que soube da morte do Cosme, meu ex-namorado me ligou chorando muito. Eu, que fui acordada com aquele telefonema, perdi o sono. Cosme Armando tinha apenas 30 anos. Nessa época, eu e meu ex-namorado havíamos terminado recentemente o namoro e estávamos naquele período de "mal-estar" tentando desfazer os vínculos afetivos. Ainda assim, aquela situação nos fez perceber o exemplo de vida que o Cosme nos deu. Tudo que pude pensar foi que a existência toda dele pareceu ter feito todo sentido naquele país.  Era um jovem amoroso, sonhador, militante, inteligente e o príncipe encantado da donzela argentina. Sim, ele era. Então, em vez de você perder o seu tempo com alguém que não ama, ou ludibriar-se com o falso amor, viva intensamente. E pode esperar que: um dia... o amor acontece!

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