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O consumo da vida

O filme "O preço do amanhã" (In time, EUA, 2011) é um tipo de obra cujo mesmo motivo que faz você amar, faz você odiar o filme. Não entendeu? Vou explicar. O filme faz referências a famosos personagens da história do cinema e da literatura, além de possuir uma série de mensagens subliminares. É um apanhado de metáforas, paródias, ironia, pastiche, “remake” e o que mais for possível. Continua sem entender? Então, se já assistiu, reveja com outros olhos. Se não assistiu, veja e apaixone-se pela metalinguagem cinematográfica.
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Neste longa, a expressão “tempo é dinheiro” é imediatamente substituída pela mensagem explícita (nesse caso a mensagem é bem clara): “tempo é vida”. Mas, a primeira não se desconecta da segunda. A mudança é gradual e exige certa relação entre os termos. Pois, a vida se passa num dado intervalo de tempo. Logo, vivemos através do tempo. Então, se tempo é dinheiro, dinheiro é vida. Logo, tempo é vida. Na verdade, não há uma substituição, há uma metáfora bem clara dos valores do mundo capitalista.

A trama se passa em um futuro próximo em que as pessoas param de envelhecer aos 25 anos, mas em contrapartida tem apenas mais um ano de vida. Para viver mais, elas precisam comprar tempo. Trata-se de um mundo cujo todo consumo é pago com o tempo de vida. Fica a mensagem: você consegue viver sem dinheiro? Então substitua dinheiro por tempo e veja se você consegue viver. A idéia não é enaltecer o capitalismo, e sim, mostrar o quanto que ele nos tornou dependentes, o quanto que nossas vidas são medidas ou controladas pelo dinheiro. Todos tem um relógio digital no braço para medir cada milésimo de segundos que possuem de vida. É como se aquele relógio nos dissesse: “o tempo corre pelas mãos”. Ele pode escapar. E curiosamente, está nos braços, não nas mãos. Não é palpável. Embora se conserve a juventude, não é possível segurar/parar o tempo. Ironicamente, as desigualdades sociais permanecem neste “novo mundo”. Os pobres não possuem bens que possam trocar por tempo. Eles precisam trabalhar para comprar alguns anos de vida. Ser pobre é viver cada dia como se fosse o último. Ser rico é não se preocupar com o amanhã.

A luta pela sobrevivência torna cada segunda da nossa existência um tempo precioso que não pode ser desperdiçado. Mas quem sobrevive nesse mundo? A resposta irônica dada no filme é: os mais fortes. É nessa teoria darwinista “pós-moderna” que a bela Sylvia (Amanda Seyfried) acreditava até conhecer o jovem Will Salas (Justin Timberlake) e descobrir que não é uma questão de força, mas de opressão e injustiça social. Nos bancos são depositadas as horas. Outra mensagem: estatisticamente a cada segundo nós não temos pessoas ficando cada vez mais pobres e outras cada vez mais ricas no nosso mundo?Por que o banco não reserva essas horas em vez da fortuna da elite dominante? Fica claro que tempo tanto vida quanto dinheiro. A problemática apresentada por Will a Sylvia é essa: quanto tempo já não perdermos deixando as coisas como estão? Indignada a jovem que fora sequestrada por ele, passa da posição de vítima para a de cúmplice.

Os dois formam uma dupla de marginais que rouba os bancos. É uma clara referência ao casal mais famoso da história dos gangsters: Bonnie e Clyde (futurista). Will e Sylvia desejam viver em um mundo igualitário em que os sonhos não sejam interrompidos pela morte. É um desejo utópico, mas todos nós temos essa mesma aspiração. Por duas vezes Will foi “imortal”, ganhou um tempo correspondente a cem de anos de vida. A primeira “carga” alta de tempo, ele recebeu misteriosamente de presente, isso traz outra mensagem: a vida é dádiva, um presente de deus. A segunda, ele ganhou nos jogos.

Os jogos também servem como reflexão. É a vida está em jogo, não o dinheiro. Quantos não perdem a vida por causa de jogos? E quanto outros não sentem perdidos quando arruínam a fortuna em jogos? Encontra-se aí mais uma mensagem: os homens perdem a vida nos jogos e não o dinheiro. Perdem a moral social, em consequência a vontade de viver. O vício no jogo é a infeliz tentativa de recuperar a moral perdida naquele mesmo lugar. Will ganha e perde a fortuna. A primeira perda é na mesma mesa de jogo em que acabara de ganhar, a segunda é roubada pelos guardiões do tempo. Mensagem: é preciso controlar o tempo, como se controla o dinheiro. Os guardiões do tempo não somente controlam o tempo de vida, mas também a riqueza. Mensagem: vida é o nosso maior bem. Como se viver mais fosse uma questão de sorte, ele perde quase toda o tempo de vida, mas vejam só: ele tem “sorte” de ainda estar vivo!

A intenção do herói não é alcançar a imortalidade é roubar vidas e doá-las aos pobres. Temos aqui uma clara referência ao herói do folclore britânico Robin Hood. O interessante é quando a doação é feita não pelos aparelhos eletrônicos, mas de uma pessoa para outra. Quando uma pessoa deseja doar tempo à outra, aproxima-se o braço do doador do que irá receber a doação. Podemos interpretar de várias maneiras. Através da expressão mais óbvia, e um tanto patética, “uma mão lava a outra”, ou como uma troca de energia vital possibilitada pela “química” dos corpos, ou ainda, como uma espécie de doação de sangue.

Em um mundo capitalista, o dinheiro torna as relações profissionais e sociais extremamente competitivas. Mas é só no mundo capitalista? Este filme mostra que o dinheiro não corrompe os homens, estes são "corruptiveis" por natureza. A cena da queda de braços alude às manipulações humanas. É uma luta corporal que não se ganha pela força, mas pela astúcia. E se perde por se deixar influenciar pelas artimanhas do inimigo. A mão é o principal elemento da luta. Etimologicamente, a palavra “manipulação” se refere à habilidade de controlar os objetos com as mãos. Então, a queda de braços revela numa luta aparentemente simples como o homem e corruptível e violável pela simples habilidade das mãos aliadas a capacidade mental de influenciar o outro. Se você ainda tem dúvidas se isto faz sentido dentro do filme... No idioma oficial do filme (inglês), poderíamos manter fielmente essa justificativa, pois mão é hand e manipular, dentre outras palavras, é handle. 

P.S: Se você não assistiu ainda, calma... O filme todo não está aqui! É bem capaz de você assistir e ter a impressão de que eu não te contei nada.

Para além da crítica

Eu me refiro a proposta do trabalho e não ao gosto pela obra. Eu não tenho a intenção de discutir se as coisas são boas ou ruins. A minha intenção com este texto é apenas desconstruir toda a narrativa do filme, reafirmar a força do cinema sobre outras formas de artes e mostrar como esta força se faz presente até mesmo em obras pouco conceituadas. Espero ter sido bastante convincente.

Quero fazer um breve comentário sobre a carreira de Justin Timberlake. Gostos à parte, pois não tenho intenção de discutir se é bom ou ruim, porém, o talento de Justin para a música é indiscutível. É, mas parece que alguns diretores de cinema estão apostando em outra performance do artista: a de ator. Ele tem feito vários filmes desde a sua estréia em 2000 na comédia romântica LongShot (LongShot, EUA, 2001). Houve um intervalo de 2001 para 2005, mas de lá para cá tem feito, em média, dois filmes por ano. No total foram16 filmes! Se continuar neste ritmo vai ultrapassar muitos atores veteranos de Hollywood.

Não há explicação para ele ser tão cogitado, talvez, seja carisma, e isso independe de talento ou experiência sólida. Afinal, muitos atores são queridinhos de adolescentes e são extremamente rejeitados pela crítica. Vale lembrar que diversos cantores tentaram carreira como ator, mas sem sucesso. Madonna e Will Smith foram os mais bem sucedidos, mas, pelo andar da carruagem, Justin irá superar os dois.

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